Vamos começar essa história pelos créditos finais. Vestidos com os óculos 3D gentilmente cedidos por aquele ingresso "um pouco" mais caro, assistimos a um espetáculo deslumbrante, um passeio por nebulosas, galáxias, estrelas e planetas. Experiência que poucos planetários conseguem reproduzir assim de forma tão grandiloquente. Segue-se à essa imagem os nomes de quem produziu o filme e, tendo a paciência que todo fã de super-herói tem em esperar a derradeira cena pós créditos, ficamos diante de uma infinidade de nomes, em equipes gigantes responsáveis pela "modelagem", "textura", "iluminação", finalização em "CG", "animação" e toda essa parte de efeitos especiais que, em Thor, consegue ser ainda mais gigante que o enorme moço que o interpreta.
Mais do que surpreendidos pelo bem-elaborado espetáculo tridimensional nessa viagem sideral, curioso mesmo é ver que esse calhamaço de créditos pertence a filme de Kenneth Branagh, diretor e ator inglês conhecido por sua consanguinea afeição aos dramas familiares Shakespereanos e, portanto, ao balé do teatro, às métricas e às palavras marinadas pela pompa e poeira dos livros de capa dura.
É de Branagh, portanto, a direção do super-herói Marvel cujo drama existencial mais se aproxima dessas tempestivas relações de amor e ódio entre pais, filhos, irmãos e, claro, do amor impossível, elementos presentes nos versos do Bardo do Avon. Com todo esse material em mãos, e estamos falando tanto do potencial épico quanto dos efeitos especiais, o diretor cria um filme tão ostentoso e pirotécnico quanto cansativo.
O filme, que resgata o Thor tal como os fãs o conhecem nos quadrinhos quando Stan Lee puxou o personagem para debaixo de seu guarda-chuva, nos introduz à mitologia nórdica própria dos personagens. Filho de Odin (aqui interpretado por um Anthony Hopkins cansado o suficiente para o papel de rei em dias de repasse de trono) e irmão de Loki (Tom Hiddleston), Thor é o loiro bruta-montes que, tão grande e perfeito que é, não merece o título de homem-armário, mas sim de homem-closet. Interpretado pelo gigante e bem-nascido Chris Hemsworth (1,91m e 0% de gordura corporal), Thor nos convence tanto no papel do rapaz mimado, quanto no momento do príncipe exilado.
Herdeiro direto ao trono de Asgard, ele é afeito a uma boa briga quando munido de seu martelo Mjolnir (não tente pronunciar) e, cego de orgulho, não percebe que perde a confiança de seu pai, o Rei Odin, quando provoca uma possível nova guerra com os Gigantes de Gelo de Jotunheim. Resumindo: Sem tempo ou paciência para as crises de menino brigão de Thor, e sob o pretexto do sábio que tudo antecipa, Odin envia seu filho predileto à Midgard, popularmente conhecida como o planeta Terra, lugar certo para ele ficar de castigo.
E aí começamos a ver um filme entrecortado em dois espaços que se desencaixam na ilha de edição: o primeiro com as cenas dos terráqueos gente-boa e engraçados, e o segundo dos embates teatrais no olimpo nórdico e dourado de Asgard. Branagh se mostra particularmente interessado nesse segundo território, coloca a câmera em diagonal, faz precisas marcações de cena, capricha na dramaticidade. Peca quando não dá a mesma atenção a nós, mortais, aqui personificados na lente cor de caramelo de Natalie Portman, a Jane Foster no papel da cientista sensual com camisa de flanela. E por vários momentos nos sentimos tão deslocados do filme quanto Thor em seus primeiros minutos na Terra.
O vai-e-vem entre Shakespeare e Stan Lee esgota um pouco. O Papa é pop, mas nem tanto. Vale lembrar também que, em semana de casamento real, essa nossa proximidade com a hierarquia feudal não deve ser assim tão fora de sincronia.
Importante notar, porém, que todos os méritos do filme, além da escolha perfeita de Hemsworth para o papel-título, acontecem porque o diretor sabe explorar esse verve explosiva de seus personagens quase vikings. O martelo todo-poderoso do personagem cumpre sua função de arma de destruição em massa, o balé bélico funciona na medida que dá para manipular os personagens de computação gráfica e nossos tímpanos sentem a pressão.
Ok, alguns efeitos especiais deixam a desejar - ah sim, o cinema industrial da computação gráfica nos deixou exigente com esse tipo de artifício (?) narrativo -, mas no grosso dá pra dizer que os efeitos preenchem as lacunas quando o roteiro entra em descompasso, algo que não é assim tão raro.
E aos que vão ficar sentados esperando a sempre aguardada "cena do próximo capítulo" típica dos filmes de super-heróis, só um recado: espere mais atenção em Os Vingadores para personagens pouco explorados em Thor.