Dizer que Jorge Furtado é um dos melhores cineastas brasileiros da atualidade pode parecer exagero para quem assistiu apenas ao seu longa-metragem de estréia, o ótimo "Houve uma Vez Dois Verões". Porém, muito antes de investir em produções com maior tempo de duração, Furtado já merecia ser reverenciado graças aos seus curtas, como "O Dia em Que Dorival Encarou a Guarda", "Barbosa" e, é claro, o já clássico "Ilha das Flores" – certamente um dos curtas-metragens mais importantes da nossa cinematografia. Agora, o diretor volta a comprovar seu imenso talento em "O Homem Que Copiava", um filme divertido, ambicioso e inteligente.
Escrito pelo próprio Jorge Furtado, o roteiro gira em torno de André, um ‘operador de fotocopiadora’ (como ele costuma se apresentar) que se encontra perdidamente apaixonado por sua vizinha Sílvia, a quem ele observa secretamente, todas as noites, com seus binóculos. Recebendo um salário miserável, o rapaz leva uma vida difícil: tomar um cafezinho, por exemplo, é o bastante para deixá-lo sem o dinheiro da passagem de ônibus, obrigando-o a voltar para casa a pé. Logo na cena inicial, aliás, André aparece conversando com a caixa de um supermercado enquanto tenta calcular que produtos deverá deixar para trás a fim de ter a quantia necessária para comprar uma caixa de fósforos (segundos depois, quando o propósito dos fósforos é explicado, o filme surpreende o espectador pela primeira vez). Finalmente, o rapaz parece encontrar uma solução para seus problemas financeiros ao replicar notas de 50 reais na fotocopiadora de seu trabalho – algo que, como é fácil imaginar, dá origem a uma série de confusões. Interpretado por Lázaro Ramos com grande competência e sensibilidade, André é um jovem tímido, inseguro e desajeitado. Man-tendo a cabeça quase sempre voltada para baixo, como se temesse encarar seus interlocutores, o rapaz possui conhecimentos pontuais sobre diversos assuntos, já que, enquanto realiza as cópias solicitadas por seus clientes, procura ler trechos dos textos originais: assim, ele sabe, por exemplo, que Shakespeare e Cervantes morreram no mesmo dia (23 de abril de 1616), mas não conhece Hamlet ou Don Quixote. (Em certo momento, quando ele explica o significado da palavra ‘dossel’ para uma colega de trabalho, vemos um relance da folha na qual ele descobriu a informação.) Sem ter grandes ilusões sobre sua ‘profissão’, André explica para o espectador, durante sua narração inicial, como a fotocopiadora funciona, concluindo com um toque de amargura: ‘Pronto. Você já sabe tudo que é preciso saber para fazer o que eu faço’. A narração do protagonista é, aliás, um dos pontos fortes de O Homem Que Copiava, já que o pensamento do rapaz parece fluir de maneira furiosa, saltando de um assunto a outro sem jamais permitir que percamos o interesse pelo que está sendo dito: ao revelar que o prédio em que sua amada mora foi batizado como ‘Santa Cecília’, por exemplo, André faz um breve relato sobre a morte da Santa. O estilo da narração, aliás, lembra muito o de Ilha das Flores, em que as explicações do narrador seguem um estilo de ‘hipertexto’, ou seja: a simples menção de uma palavra pode dar origem a um esclarecimento paralelo. Em O Homem que Copiava, os monólogos em off de André ocupam praticamente os 40 minutos iniciais da projeção, lembrando bastante o recurso empregado com brilhantismo por Martin Scorsese em obras como Os Bons Companheiros e Cassino.
Comprovando o talento de Jorge Furtado para criar diálogos divertidos e com um timing cômico preciso, o roteiro deste filme é repleto de momentos hilariantes que se tornam ainda mais eficazes graças à química perfeita entre Lázaro Ramos e Pedro Cardoso – este último protagonizando algumas das melhores cenas da produção com seu estilo particular de conferir ao texto um tom de aparente improviso. (Em certo instante, enquanto tenta convencer um cliente a comprar uma ‘antigüidade’, ele diz: ‘Esta caixa é do século passado; é de 1400-e-alguma-coisa...’ – e a agilidade de seu discurso quase nos leva a ignorar o disparate.) Fechando o elenco, vêm Leandra Leal (como Sílvia) e Luana Piovani (como Marinês), que também emprestam grande autenticidade às suas personagens, merecendo créditos por seus belos desempenhos.
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