O Escritório de Investigações e Análises (BEA), que apura as causas do acidente com o avião da Air France entre Rio de Janeiro e Paris, divulgou na noite desta sexta-feira as últimas conversas entre os pilotos do voo AF 447 a partir de 40 segundos antes da volta do comandante de bordo à cabine e até as últimas palavras gravadas nas caixas-pretas. Os diálogos demonstram uma certeza: os pilotos não compreendiam o que acontecia com a aeronave. Acompanhe as conversas, em tradução livre do francês para o português feita pela reportagem:
Veja na íntegra relatório que aponta causas da queda do AF 447
Veja as novas recomendações de segurança do BEA
"Temos os motores. O que está acontecendo?", diz o segundo copiloto, às 2h11min3s.
"Não tenho mais o controle do avião agora. Não tenho mais nenhum controle do avião", responde o primeiro copiloto, que comanda o avião no momento.
Às 2h11min43s, o comandante de bordo volta à cabine, depois de ter sido chamado pelo segundo copiloto enquanto descansava. Fazia nove minutos que ele estava ausente da pilotagem.
"Hey, o que vocês estão fazendo?", disse o comandante.
"O que está acontecendo? Eu não sei", afirmou o primeiro copiloto. "Eu não sei o que está acontecendo."
Instantes de silêncio. O primeiro copiloto volta a falar às 2h12min04s: "Eu tenho a impressão que estamos a uma velocidade maluca, não? O que vocês acham?". Os diálogos prosseguem da seguinte maneira:
2h12min13s (segundo copiloto): "O que você acha? O que você? O que é preciso fazer?"
2h12min15s (comandante): "Eu não sei. Está descendo."
2h12min27s (segundo copiloto): "Você está subindo... Você está descendo, descendo, descendo, descendo."
(primeiro copiloto): "Eu estou descendo agora?"
2h12min32s (comandante): "Não, você está subindo agora!"
2h12min33s (primeiro copiloto): "Eu estou subindo? Ok, então vou descer."
2h12min44s (comandante): "Não é possível."
2h13min25s (primeiro copiloto): "O que está... Como pode que a gente continue descendo tanto?."
2h13min39s (segundo copiloto): "Sobe, sobe, sobe, sobe."
2h13min40s (primeiro copiloto) "Mas eu estou empinando muito há algum tempo."
(comandante): "Não, não, não, não sobe."
(segundo copiloto): "Então desce."
2h13min45s (segundo copiloto): "Então me passa os comandos, me passa os comandos."
2h14min5s (comandante): "Atenção, você está empinando." Segundo copiloto assume o comando do avião: "Estou empinando?" (primeiro copiloto): "Bom, é o que é preciso fazer, nós estamos a 4 mil pés." 2h14min18s (comandante): "Vai, puxe!" (primeiro copiloto): "Vá, puxe, puxe, puxe, puxe." 2h14min28s Fim das gravações.
BEA: não se pode afirmar se houve erro humano
Apesar de diversos procedimentos de voo adotados pelos pilotos do AF 447 não corresponderem ao padrão que deveria ter sido ser realizado, o BEA disse que ainda não pode afirmar que erro humano foi a principal causa da tragédia. "Neste estágio das investigações, não podemos afirmar que houve erro humano", afirmou o chefe da equipe, Alain Bouillard, ao final da coletiva de imprensa do BEA, nesta tarde, em Paris.
O órgão divulgou hoje o terceiro relatório oficial sobre a tragédia, no qual relatou as circunstâncias em que aconteceu o acidente, minuto a minuto, mas não apontou as responsabilidades pela queda. O documento aponta uma série de supostos erros dos pilotos na tentativa de retomar o controle do avião, depois que as informações sobre a velocidade da aeronave se mostraram incoerentes e o alarme de estol (perda de sustentação) começou a apitar na cabine.
As incertezas sobre haver ou não erro dos pilotos se devem ao fato de que, nos gravadores dos parâmetros de voo, os investigadores não encontraram as informações relativas ao painel do segundo copiloto, que auxiliava o primeiro a comandar a aeronave no momento em que o sistema de medição da velocidade do Airbus entrou em pene. E sem os dados, não é possível saber baseado em quê os copilotos decidiram empinar a aeronave, ao invés de manter ou até diminuir a altitude, como seria recomendável.
O acidente do AF 447
O voo AF 447 da Air France saiu do Rio de Janeiro com 228 pessoas a bordo no dia 31 de maio de 2009, às 19h (horário de Brasília), e deveria chegar ao aeroporto Roissy - Charles de Gaulle de Paris no dia 1º às 11h10 locais (6h10 de Brasília). Às 22h33 (horário de Brasília) o voo fez o último contato via rádio. A Air France informou que o Airbus entrou em uma zona de tempestade às 2h GMT (23h de Brasília) e enviou uma mensagem automática de falha no circuito elétrico às 2h14 GMT (23h14 de Brasília). Depois disso, não houve mais qualquer tipo de contato e o avião desapareceu em meio ao oceano.
Os primeiros fragmentos dos destroços foram encontrados cerca de uma semana depois pelas equipes de busca do País. Naquela ocasião, foram resgatados apenas 50 corpos, sendo 20 deles de brasileiros. As caixas-pretas da aeronave só foram achadas em maio de 2011, em uma nova fase de buscas coordenada pelo Escritório de Investigações e Análises (BEA) da França, que localizou a 3,9 mil m no fundo do mar a maior parte da fuselagem do Airbus e corpos de passageiros em quantidade não informada.
Após o acidente, dados preliminares das investigações indicaram um congelamento das sondas Pitot, responsáveis pela medição da velocidade da aeronave, como principal hipótese para a causa do acidente. No final de maio de 2011, um relatório do BEA confirmou que os pilotos tiveram de lidar com indicações de velocidades incoerentes no painel da aeronave. Especialistas acreditam que a pane pode ter sido mal interpretada pelo sistema do Airbus e pela tripulação. O avião despencou a uma velocidade de 200 km/h, em uma queda que durou três minutos e meio. Em julho de 2009, a fabricante anunciou que recomendou às companhias aéreas que trocassem pelo menos dois dos três sensores - até então feitos pela francesa Thales - por equipamentos fabricados pela americana Goodrich. Na época da troca, a Thales não quis se manifestar.