O prazo venceu e nenhum acordo foi fechado. Não houve entendimento entre os sem-teto e os representantes da Polícia Militar, do Governo e da montadora que teve o terreno invadido em São Bernardo do Campo.
A desocupação do acampamento pode ocorrer a qualquer momento e os sem-teto fizeram uma passeata pela cidade em direção à prefeitura ontem causando tumulto e parada do trânsito.
Eles passaram a manhã esperando pelo prefeito William Dib. Mas a assessoria da prefeitura da cidade afirmou que o prefeito não está participando das negociações entre o movimento e a montadora. Os sem-teto pedem a desapropriação do terreno ou que a área seja declarada de utilidade pública, mas, de acordo com a prefeitura, existem programas habitacionais que devem ser respeitados e que há pessoas inscritas e que esperam por sua moradia dentro de um processo democrático.
Ontem a marcha começou no próprio acampamento. Apesar das bandeiras brancas que os sem-teto seguravam, os gritos de ordem que partiam de um caminhão de som sugeriam resistência. “Vamos resistir. Não vamos deixar o terreno minha gente. Vamos resistir”, afirmava o comando da invasão aos invasores. Aos poucos, o número de sem-teto ia crescendo na entrada do terreno da Volks.
Enquanto a passeata era organizada, a Polícia Militar apareceu. Passou em frente ao terreno e foi embora. Logo em seguida, os sem-teto começaram a deixar o terreno e o trânsito foi bloqueado causando transtorno para quem usava os corredores que dão acesso ao centro da cidade.
Durante a marcha, os comerciantes baixaram as portas. De acordo com os comerciantes a ordem foi dada pela PM. A passeata é uma das frentes da ofensiva dos sem-teto para tentar impedir a saída deles do terreno, invadido há nove dias. O acampamento, que começou com 500 pessoas, hoje abriga mais de sete mil. “Resistir é permanecer na área, as famílias não têm para onde ir”, fala uma das coordenadoras da passeata.
As negociações para suspender o despejo chegaram à Brasília. Os invasores escreveram uma carta ao presidente da república que será entregue pelo deputado federal Vicentinho. “É preciso que haja uma solução comum para todos, mas a verdade é que esse povo precisa de moradia”.
Os deputados federais petistas Luciano Zica e Ivan Valente, de São Paulo, conversaram com o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e com o ministro das Cidades, Olívio Dutra, que participava de evento na sede do governo estadual. Eles estavam acompanhados pelo deputado estadual Renato Simões (PT) e pelo advogado que representa o MTST, Wagner Lino, ex-deputado estadual, que desde os primórdios de sua carreira política defendeu a ocupação de áreas por movimentos como esse.
Advogados ligados ao movimento dos sem teto conseguiram suspender a reintegração de posse na Justiça (leia mais abaixo).
A reunião entre os representantes dos sem-teto, do Governo do Estado, da Volkswagem e da Polícia Militar foi realizada em Santo André, onde fica o comando da PM região. Mas apesar da presença de todas essas pessoas, não houve negociação. De um lado, os sem-teto não querem deixar o terreno de mãos vazias, do outro lado, a Volkswagen diz que não negocia sob pressão. A empresa disse que só negocia com o MTST se as famílias acampadas deixarem a área.
A empresa diz que tem interesse em vender o terreno. O comandante da PM Jairo Paes Lira diz que o cumprimento da ordem judicial de desocupação pode acontecer a qualquer momento. “Se precisarmos desencadear a operação de preservação da ordem pública, ela será feita com a melhor técnica e com o menor trauma social possível, sem violência. Respeitando a integridade física e o direito de todas as pessoas envolvidas”.
Caso os sem-teto decidam deixar o terreno, o movimento disse que exigirá que seja cumprida a total ordem judicial, não apenas em relação à reintegração, mas também sobre a garantia de transporte e novo local para alojamento das famílias.
Governo Estadual
O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, fez um apelo para que as famílias de sem-teto, acampadas no terreno da Volkswagen, em São Bernardo do Campo, deixem o local, já que não houve acordo na reunião realizada pela manhã entre representantes dos governos federal e estadual, uma comissão de deputados do PT e a proprietária. “Nós aguardamos o resultado da reunião, mas não houve solução. Ficou claro que a Volkswagen (a proprietária) exige a reintegração de posse, e a Justiça a determina também”, afirmou Alckmin.
“O governo federal não tem o compromisso de desapropriar o terreno; a Prefeitura de São Bernardo do Campo, também. A área deverá ser, imediatamente, desocupada. É o apelo que faço, para que as famílias deixem o local pacificamente.” Alckmin reiterou que a reintegração será cumprida, mas disse que ela não tem hora ou dia para acontecer. Questionado se a polícia entrará logo em ação para desocupar a área, o governador respondeu que o secretário da Segurança, Saulo Abreu, é quem falará sobre a ação da Polícia Militar.
Pela manhã, Alckmin anunciou planos de habitação da Nossa Caixa com a liberação de R$ 100 milhões do FGTS. O governador disse que a solução para as famílias de sem-teto que estão acampadas no terreno da Volks deve envolver os governos municipal, estadual e federal. Segundo ele, é possível fazer o cadastramento dessas famílias, mas a solução só será encaminhada depois que os acampados deixarem, definitivamente, o terreno.
Reintegração de posse de terreno da Volks é suspensa
A expulsão das três mil famílias que invadiram um terreno da Volkswagen em São Bernardo do Campo está suspensa provisoriamente, por decisão do juiz plantonista do 1º Tribunal de Alçada Civil, Roque Mesquita. Ele acolheu recurso de uma das invasoras, Camila Alves Candido, e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), e suspendeu a liminar de reintegração de posse expedida dia 22 em favor da montadora, pelo juiz da 4ª Vara Cível de São Bernardo do Campo.
Segundo a decisão de Roque Mesquita, existe a possibilidade de “resultar lesão grave e de difícil reparação”, caso não seja atendida a pretensão dos invasores. A decisão do juiz da 4aª Vara Cível de São Bernardo afastou o argumento dos ocupantes de que a área em questão tenha sido abandonada pela Volks, e deferiu a liminar sem ouvir a parte contrária. Segundo consta de certidão do 1º Cartório de Registro de Imóveis de São Bernardo do Campo, lavrada em 11 de abril de 2001, o domínio do imóvel pertence à montadora.
Mas, segundo o juiz Mesquita, “o domínio não é pressuposto fundamental”. O julgamento final do recurso ainda não tem data marcada, e ocorrerá na 3ª Câmara do 1º Tribunal de Alçada Civil. Até lá, pelo menos, os invasores permanecerão no terreno sem serem molestados. A Volkswagen poderá recorrer ao próprio Tribunal de Alçada Civil contra a decisão do juiz Miranda, afim de que seja restabelecida a liminar de reintegração de posse.
Depois que ficaram sabendo da decisão do juiz Roque Mesquita, os sem-teto resolveram deixar o Paço Municipal de São Bernardo e voltaram para o acampamento, onde fariam, durante a noite, uma assembléia para discutir quais os próximos passos a serem tomados pelo movimento
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