A cada semana, brasileiros são surpreendidos por mensagens que soam como boas notícias: “Você tem um valor a receber do INSS”, “Seu benefício foi liberado”, “Falta apenas o pagamento de uma taxa”. A promessa é sedutora, o tom é convincente — e o golpe, certeiro. O estelionato digital, muitas vezes disfarçado de assessoria jurídica, virou epidemia silenciosa. E não se trata apenas de fraude financeira: o que está em jogo é a dignidade e a confiança de milhares de cidadãos que veem, diante de si, a porta da esperança sendo fechada com violência.
Em uma sociedade cada vez mais digitalizada, o avanço das ferramentas tecnológicas deveria significar maior proteção ao cidadão. No entanto, o que temos visto é a sofisticação de mecanismos de fraude, impulsionados pelo acesso a bases de dados e pelo domínio de técnicas de engenharia social. Os golpistas não são amadores. Eles estudam suas vítimas, dominam o vocabulário jurídico, utilizam nomes reais de advogados, forjam documentos com timbres oficiais e simulam, com perfeição, os ritos de processos previdenciários.
O golpe mais comum hoje envolve a liberação fictícia de valores atrasados de benefícios previdenciários. Os criminosos se valem de um argumento recorrente: o pagamento de uma taxa cartorária, ou de honorários antecipados, para a liberação do montante. É quando o engano se consuma. Pessoas em situação de vulnerabilidade — idosos, doentes crônicos, aposentados —, muitas vezes aguardando há anos por uma decisão judicial, caem no conto da falsa promessa. E pagam. Pagam com dinheiro, com saúde emocional e com a já frágil confiança que ainda nutriam nas instituições.
Há algo cruel nesse tipo de golpe: ele não rouba apenas bens materiais, mas também a esperança. As vítimas interrompem tratamentos médicos, deixam de comprar remédios, suspendem compromissos essenciais porque acreditam que, finalmente, receberão o que lhes é de direito. Quando percebem a fraude, além do prejuízo, enfrentam sentimentos de vergonha, culpa e medo de julgamento. É um tipo de violência que a legislação ainda não nomeia adequadamente — mas que está presente nas entrelinhas de cada boletim de ocorrência.
É preciso que se diga: o sistema jurídico oferece caminhos para reparação. Os bancos, por exemplo, podem ser responsabilizados quando há falha na segurança das transações — com base na responsabilidade objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor. Transações atípicas, feitas fora do perfil habitual do cliente, sem mecanismos de alerta ou confirmação, têm gerado decisões judiciais favoráveis às vítimas, com devolução dos valores perdidos. Mas, infelizmente, a judicialização não é simples nem rápida. E poucos têm acesso a uma defesa técnica adequada.
Além disso, é possível rastrear contas bancárias envolvidas, identificar os receptadores e buscar sua responsabilização criminal. Para isso, o primeiro passo é registrar boletim de ocorrência, comunicar imediatamente a instituição financeira e reunir todas as provas: comprovantes de transferência, prints de conversas, e-mails, gravações. Informação e agilidade são as principais aliadas nesse momento.
Ainda assim, o grande desafio está na prevenção. E é aí que o Estado falha. Falta uma política pública coordenada de educação digital, voltada especialmente para os grupos mais vulneráveis. Falta fiscalização mais rigorosa sobre abertura de contas bancárias fraudulentas, que continuam sendo abertas com documentos falsos ou laranjas. Falta, sobretudo, reconhecimento de que esse tipo de golpe é mais do que uma fraude: é uma violação da cidadania.
O INSS, por sua vez, deveria investir mais em campanhas de esclarecimento. A regra é simples: nenhum servidor público ou advogado pode exigir depósitos antecipados para liberar valores previdenciários. Toda a tramitação de benefícios é gratuita, e qualquer cobrança por “taxa” para movimentar processos judiciais ou administrativos é ilegal. O segurado deve confirmar sempre o nome de quem o contata, verificar no site da OAB se o advogado existe, e, em caso de dúvida, entrar em contato diretamente com o INSS pelos canais oficiais (135 ou gov.br/meuinss).
A digitalização dos serviços públicos é um avanço inegável, mas não pode se dar à custa da segurança do cidadão. Combater estelionatos digitais exige ação conjunta entre instituições financeiras, órgãos públicos, entidades de classe e a própria imprensa. Informar é um dever. Proteger, uma urgência. Afinal, por trás de cada vítima, há uma história de espera, de luta e de fé no Estado de Direito. E nenhuma fé sobrevive ao abandono.
* Simone Lopes é advogada especialista em Direito Previdenciário e sócia do escritório Lopes Maldonado Advogados