A eleição de um ex-operário à Presidência do Brasil, em 2002, multiplicou o verde da esperança no horizonte de milhões de brasileiros, excluídos das benesses do poder ao longo de nossa História. E essa esperança vem sendo expressa através de um volume de correspondência nunca vista, dirigida ao mais alto mandatário da nação. Nos dez primeiros meses de mandato, Luiz Inácio Lula da Silva vem sendo tratado afetivamente pelas chamadas classes C e D, como um amigo, irmão, companheiro, camarada. É previsível que os brasileiros de baixa renda e baixa instrução que escrevem ao chefe da Governo tenham a ingênua expectativa de que sua carta será lida pelo ilustre destinatário. Na realidade, toda essa correspondência vai parar no Departamento de Documentação Histórica da Presidência da República. Lá é feita uma análise de conteúdo e as mensagens são agrupadas por categoria temática. De uma coisa, porém, os missivistas podem ter certeza: por determinação do próprio presidente, nenhuma carta deve ficar sem resposta. E, geralmente, embora não atenda o pedido, sua assessoria informa para onde o problema foi encaminhado. Responder a toda correspondência recebida é um dos princípios básicos que devem nortear o desempenho de todo bom administrador. E na triagem, alguma coisa termina chegando mesmo às mãos do governante máximo do País, que assina pessoalmente umas poucas respostas e dá tratamento de urgência ao seu encaminhamento. Um levantamento divulgado por este jornal registra que foram agrupadas, até o final de outubro, nada menos que 89.211 correspondências. É claro que este encaminhamento espontâneo, geralmente contendo pedidos, mesmo provindos de todas as regiões do Brasil, não significa do ponto de vista da técnica estatística uma amostra precisa das aspirações nacionais. Mas, curiosamente, refletem uma realidade que muitas pesquisas setoriais vêm confirmando. Através da análise das solicitações mais insistentes, os especialistas podem auferir o grau de aflição e de necessidades a que o povo brasileiro, apesar das promessas repetidas a cada pleito eleitoral, continua submetido. O tema mais repetitivo (51% das cartas) é a revelação da falta de recursos mínimos para manter a família. Destas, 18% se referem a dificuldades com a obtenção de uma aposentadoria digna, o que pode sugerir sejam as pessoas de idade avançada mais constantes no ato de escrever ao presidente. Segue-se, porém, o pedido de emprego (17%), comum aos de uma faixa etária de pessoas mais jovens. E em terceiro lugar (16%), a necessidade de algum tipo de assistência social. Com menos de um ano à frente do Governo, Luiz Inácio Lula da Silva continua com alto nível de aprovação popular, apesar da dificuldade em cumprir a maioria das promessas de campanha, ou mesmo daquelas anunciadas a partir do dia da posse, a começar pela concentração de esforços em torno do programa Fome Zero. Nem sequer parece ter resultado uma real mudança de mentalidade, entre seus ministros mais importante, a famosa caravana para conhecer de perto a realidade social do Nordeste e do norte de Minas Gerais. Os dez milhões de vagas que seriam criados só passarão a ser mais cobrados pela população simples do País a partir do próximo ano, que se avizinha. O grande volume de cartas solicitando principalmente uma boa aposentadoria, emprego e internamento hospitalar revela, porém, a voz do povo simples que elegeu um presidente ex-operário, fato pouco comum no mundo, tanto que apenas dois exemplos anteriores são citados: o do lenhador Abraham Lincoln, nos EUA - que morreu assassinado por um fanático escravista, em 1865 - e o do portuário Lech Walessa, cujo governo, ao que se sabe, não correspondeu às expectativas dos poloneses, no final do século 20.
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