É mais que urgente que os profissionais do direito (também agora autodenominados ridiculamente de operadores do direito), aí incluídos advogados, magistrados, promotores e auxiliares da Justiça em geral renovem e modernizem a linguagem jurídica. Esta linguagem tabelioa, pernóstica, confusa, e falsamente solene, ajuda, e muito, a comprometer o prestígio e a confiabilidade do Judiciário brasileiro.
O que ocorreu recentemente em São Paulo só não chega a ser inteiramente cômico porque teve um preço que afeta negativamente interesses públicos. Este é o caso: os advogados de um dos acusados do assassinato do empresário Nelson Schincariol pediram ao Tribunal de Justiça de São Paulo a anulação dos depoimentos de duas testemunhas e a concessão de habeas-corpus para seu cliente. Ao apreciar dois pedidos, um dos desembargadores da Primeira Câmara Criminal acolheu o primeiro e recusou o segundo. Mas o despacho foi tão confuso que o juiz de Itu, onde tramita o processo, entendeu exatamente o contrário, ou seja, que o habeas-corpus tinha sido concedido e, em conseqüência, o réu foi solto.
Pedimos a máxima atenção para o despacho transmitido por telegrama ao juiz de primeira instância, assim redigido: Conhecida em parte, na parte conhecida concederam parcialmente a ordem impetrada, tão somente, para anular o depoimento das testemunhas protegidas pelo provimento cg 32/2000, com reinquirição das mesmas, após as providências constantes do v. acórdão, ficando denegada a pretensão formulada na sustentação ora, de concessão de ordem de habeas-corpus, de ofício, deferindo liberdade provisória ao paciente, retificada a tira de julgamento anterior, nos termos do pedido hoje ofertado (sic).
Pode? Pode. O juiz zelosamente pediu a uma escrevente que fizesse contato com o Tribunal para que este confirmasse a autenticidade do texto. Confirmada, ele, como lhe incumbia fazer, soltou o réu, que obviamente fugiu da cidade, mas antes ofereceu um churrasco comemorativo aos amigos. O Ministério Público protestou e advertiu pela clamorosa confusão, mas ainda assim passaram-se mais de 10 dias para que fosse expedida nova ordem de prisão. O TJ reconheceu - pelo menos isso - a má redação e pediu desculpas. Os defensores da tese do controle externo do Judiciário têm agora mais um argumento: a necessidade do policiamento também da linguagem.
Tudo muito parecido com o conto de Monteiro Lobato, no qual é relatada a desdita de um noivo que por causa de uma equivocada colocação de pronome teve que casar com a noiva errada; exatamente aquela que era a mais feia das irmãs.
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