O presidente Lula já não crê que o sistema de cotas para o ingresso de afro-descendentes e alunos do ensino público nas universidades federais seja um caminho assim tão eficiente para democratizar o ensino superior brasileiro. O presidente disse o óbvio: "... as cotas podem resolver parte do problema, mas não resolverão o problema que queremos resolver, que é dar oportunidade para todos participarem em igualdade de condições".
É possível que as cotas não só não consigam resolver nem parte do problema, como ainda podem contribuir para agravá-lo. (Em tempo: não é verdadeiro, como disse o presidente, que o sistema de cotas "seja uma coisa histórica, ideológica, uma discussão quase secular no Brasil". Discussão secular?).
Pois bem. Todo debate é sempre benéfico na condução do processo decisório e, no caso do sistema de cotas, existem já experiências de vários países, e isso é mais uma vantagem para que todas as partes envolvidas nesta discussão possam se posicionar de forma a mais correta e lúcida possível diante do tema. Como o sistema de cotas por razões étnicas e sociais será votada pelo Congresso, ainda há tempo para evitar equívocos e maiores danos ao já debilitado ensino superior brasileiro.
Um subsídio interessante para clarificar a questão veio recentemente da Organização das Nações Unidas através do seu Relatório de Desenvolvimento Humano de 2004, divulgado no decorrer da última semana. Nele se reconhece a importância das chamadas ações afirmativas para a minimização das desigualdades sociais. Quanto ao sistema de cotas, o Relatório encontrou avanços, mas também distorções. A maior delas é que um sistema - cujo pressuposto indica ser necessariamente um programa com tempo certo de duração - tende a se eternizar. Ou seja, se não funcionar bem, será impossível desfazê-lo.
O Relatório também identificou, onde o sistema foi adotado, tensões entre "cotistas e não-cotistas" dentro das instituições. Em alguns países onde eram raros os choques inter-raciais, estes passaram a figurar com freqüência no cenário estudantil. Também é preciso avaliar custos, porque nada é mais de graça no mundo atual. Enfim, tudo precisa ser racionalmente avaliado, pois no Brasil persiste o deslumbramento com a idéia ilusória de que se resolve qualquer questão, inclusive, a social, à base de canetadas.
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