A leitura do livro de Elio Gaspari, A Ditadura Encurralada, é proveitosa por várias razões. Não só porque ordena uma narrativa histórica que ilumina um dos períodos mais marcantes e dramáticos da vida política da nação, como também traz importantes subsídios para entender os mecanismos e os meandros secretos da administração pública brasileira.
O jornalista Elio Gaspari, um profissional competente e homem de vastas leituras, conseguiu neste último volume de sua tetralogia sobre o regime militar, dar ao seu texto muito mais que um mero relato factual da sucessão dos acontecimentos que pontilharam o governo do presidente Ernesto Geisel. Não seria equivocado dizer que é possível encontrar no texto de Elio Gaspari observações dignas de um Maquiavel, ou seja, observações de quem, como o sábio florentino, conhece e sabe como funcionam efetivamente as engrenagens do poder.
Por exemplo: o presidente Geisel conseguiu vencer a batalha contra os militares radicais que queriam levar o país para uma ditadura, mas não conseguiu vencer a batalha contra a burocracia. A resistência das mordomias, v.g., foi muito maior que o poder de Geisel e do general Golbery, seu chefe da Casa Civil, que queriam reduzi-las a níveis mais modestos. Inútil. Estas considerações vêm a propósito da óbvia fragilização do presidente Lula, que, por impotência ou por tédio, não consegue fazer o arbitramento entre os vários atores e tendências que compõem o seu governo.
Como não consegue o arbitramento, o presidente faz burocracias. Nele, há de tudo e para todos os gostos, desde o ministro Furlan, claramente comprometido com os valores que regem uma economia de mercado, até Tarso Genro, um ministro tardo-socialista, que aposta tudo no Estado. São diários os choques e entrechoques entre os ministros e autoridades de primeiro escalão, afora os que não chegam ao conhecimento público e que devem ser os mais agudos.
Também, pudera. O presidente Lula elevou o número de ministérios e secretarias de níveis ministeriais para 35, e câmaras setoriais já são 11. Acham pouco? Pois então saibam que existem 55 grupos interministeriais e 2 (por enquanto) os conselhos nacionais. O ministro José Dirceu, agora definido como gerentão do governo, comanda 16 (!) grupos de trabalho e 6 câmaras.
A última criada, a de Política de Desenvolvimento Econômico, é composta de 14 (!) ministros e 16 "convidados", mas está reservado um lugar para mais convidados. O presidente Lula para poder tomar alguma decisão vai ter que se valer de um mapa para saber com quem deve falar. Haja cartógrafos!
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