Que ou quais funções deve exercer o Estado, depende das condições concretas de cada sociedade. Atividades podem ser transferidas ou delegadas. Responsabilidades, não
Com o PT no poder, ganha novo impulso a discussão sobre as funções do Estado. O presidente Lula da Silva, recentemente manifestou-se contra o que considera excessiva autonomia das agências reguladoras. Sua opinião veio a propósito dos vários aumentos ocorridos nas últimas semanas dos chamados preços administrados e que ele, presidente, só ficava sabendo pelos noticiários dos jornais e tevês. Esta é uma discussão que tem rendido mais calor que luz.
A verdade é que as privatizações foram tratadas, quase sempre, como transferência de negócios para novos controladores. Em alguns casos, esta perspectiva estaria correta. Era razoável, por exemplo, tratar siderurgia, petroquímica e mineração como atividades essencialmente empresariais em que era dispensável a presença do Estado. Nos anos 80 e 90, a atuação do Estado nestas áreas havia deixado de ser estratégicas.
Já na campanha presidencial de 1989, o próprio candidato do PT, Lula da Silva, reconheceu isso em um debate público, o que provocou, na época, fortes reações dos estatistas do partido. A noção de estratégia, no entanto, foi rapidamente perdida. Jogou-se no ralo do esquecimento a experiência histórica do Brasil pela rejeição de certo “modelo de desenvolvimento”. Perdeu-se a noção de que o Estado, em diferentes momentos pode ter diferentes funções, adequadas a diferentes objetivos.
Claro, algumas funções são constantes como a segurança interna e externa, a produção de leis e o poder jurisdicional dos tribunais. Outras variam conforme as circunstâncias históricas. Mas há que se ter presente a diferença abissal entre os dois conceitos: função e negócio.
A idéia de função envolve, no plano político, a noção de responsabilidade. Pode também envolver avaliações de eficiência e rentabilidade financeira, mas tais critérios não podem em determinados casos sobrepujar questões de responsabilidade pública. O que se deve indagar é o que é ou não responsabilidade do Estado à luz das condições concretas do País. O Estado não é apenas uma entidade produtiva entre outras, ele é muito mais que apenas isso. Ele detém tarefas e responsabilidades indelegáveis.
Não se conhece nenhuma sociedade que tenha se mantido, sobrevivido a catástrofes e se desenvolvido sem que o Estado tenha exercido funções que foram muito além do mínimo dos mínimos. Nem a mais liberal das economias pode operar, com segurança, se a oferta dos serviços básicos depender apenas do mercado e da equação custo-benefício. As agências reguladoras, criadas para defenderem os direitos dos consumidores, muitas vezes, pelo excesso de pressão, acabam por defender, na realidade, os direitos das concessionárias e os deveres dos consumidores.
|