Hollywood já reapresentou a lenda do Rei Arthur e os cavaleiros da Távola Redonda tantas vezes ao longo das gerações que poderíamos imaginar que a história já deu o que tinha que dar. Mas Rei Arthur veio revitalizar o mito por completo.
Como Homem Aranha 2, trata-se de um filme de ação inteligente, com sets, figurinos, efeitos especiais e batalhas que nunca ganham primazia sobre a história e os personagens.
O roteirista David Franzoni criou uma trama historicamente muito mais plausível do que os filmes anteriores sobre Camelot, e o diretor Antoine Fuqua transpõe o naturalismo cru de Dia de Treinamento para esta história sobre homens - e uma mulher - em guerra.
O filme deve atrair um público amplo. Apesar de sua temática interessar aos homens, a história inclui o romance e a lenda de Artur em doses suficiente para também fascinar as mulheres de todas as idades.
A produção de Jerry Bruckheimer mergulha o espectador num início de Idade Média marcado pela violência furiosa. As batalhas são travadas com armas que incluem arcos e flechas de alta precisão, espadas e lanças pesadíssimas, bolas de fogo, machadinhas, escudos, armadura corporal pesada e corpos pintados a título de camuflagem.
É uma época selvagem e intolerante em que a religião é um instrumento de subjugação, mas os conceitos de justiça e heroísmo não deixam de florescer.
O revisionismo histórico de Franzoni faz a história retroceder para 452 d.C., época em que o Império Romano vive sua decadência.
Bárbaros ameaçam suas fronteiras, entrando em escaramuças com as tropas romanas ansiosas por voltar para casa e com a cavalaria mercenária do Império, feita de guerreiros samaritanos vindos da região hoje conhecida como a Geórgia. Uma dessas unidades, na Bretanha, combate sob o comando do oficial romano Lucius Artorius Castus, ou Arthur (Clive Owen). Os cavaleiros da unidade incluem o calmo Lancelot (Ioan Gruffudd), o homem forte Bors (Ray Winstone), o jovem e apaixonado Galahad (Hugh Dancy), o tradicionalista Dagonet (Ray Stevenson), o guerreiro inveterado Gawain (Joel Edgerton) e o temperamental Tristan (Mads Mikkelsen), cujo companheiro principal é um falcão.
Mudando de lado
No dia em que chega ao fim o período de 15 anos que os cavaleiros devem passar prestando serviços a Roma, o grupo cansado recebe ordens de empreender o que é uma verdadeira missão suicida.
Eles devem viajar até ao norte da Muralha de Adriano, a grande linha divisória que protege o sul da Bretanha dos bárbaros do norte, para resgatar um nobre romano e sua família.
Isso significa aventurar-se em florestas povoadas por seus inimigos tradicionais, os guerrilheiros tatuados conhecidos como Woads, liderados pelo misterioso xamã Merlin (Stephen Dillane).
Pior ainda, eles terão que enfrentar os invasores saxões liderados por Cedric (Stellan Skarsgard) e Cynric (Til Schweiger), que pretendem dominar a Bretanha assim que os romanos se retirarem.
É nessa missão que Arthur conhece Guinevere (Keira Knightley) e descobre que a sujeição ao Império Romano pode significar a escravidão para muitos.
E é também nela que ele descobre sua própria alma. Quando se une a Merlin para opor-se aos saxões (praticantes de uma forma primitiva de limpeza étnica), ele se choca ao perceber que é mais britânico do que romano.
Sua “Roma” não existe mais, exceto em sua própria cabeça. Corrupta e decadente, Roma caiu vítima de instintos totalitários. Então Arthur se reinventa como combatente da liberdade, defensor do povo britânico, para repelir a invasão das hordas saxônicas.
Princesa guerreira e sexy
Na maioria dos épicos, não chegamos a conhecer os personagens direito antes de vê-los em ação. Mas em Rei Arthur, as cenas de diálogo escritas com cuidado e muito bem representadas pelo elenco excelente apresentam os personagens e as situações antes de as batalhas explodirem em ação. Clive Owen faz um Rei Arthur cheio de conflitos, que se esforça para encontrar o caminho certo a seguir em meio a um campo de batalha ético desconhecido.
Lancelot (Gruffudd) é o alter ego e a consciência de Arthur, sempre à mão para apontar os dilemas do rei e lhe aconselhar soluções pragmáticas.
A Guinevere de Keira Knightley é uma pura figura de fantasia masculina. Dama indefesa quando primeiro a encontramos no filme, ela se converte em princesa guerreira, vestindo sedutoras roupas de couro, faixas nos braços e maquiagem corporal de hena que pareceria mais natural num clube de fetichistas do que em situações de combate frontal com homens usando armadura de corpo inteiro.
Mas Knightley é sexy em todas as cenas, mesmo quando está deitada numa masmorra imunda, conferindo ao filme uma sensualidade que, de outro modo, ficaria faltando.
Os vilões são fantásticos. O barbudo líder saxão representado por Skars-gard é cruel e sádico, mas dotado de grande inteligência e um desejo fanático de confrontar o grande Arthur. Til Schweiger é pura malevolência teutônica, como uma ansiedade quase cômica por matar.
A fotografia elegante e sombria de Slawomir Idziak traz uma Bretanha invernal - na realidade, Irlanda - em clima sombrio e tenso, onde inimigos se escondem na neblina e por trás de cada árvore.
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