Como se diz aqui da Terra de Santa Cruz: terminado o Carnaval, agora só falta a Páscoa, apenas mais 40 dias, para o ano começar. Iniciam-se os tempos penitenciais e, portanto, é apropriado que falemos do programa de combate à fome, o ambicioso Fome Zero, carro-chefe do petismo. Qualquer pessoa, por mais sádica e cruel que possa ser, não pode ser contra nenhum programa que pretenda dar de comer a quem tem fome. O que não quer dizer, é claro, que o programa não mereça reparos críticos e que se deixe de apontar nele alguns surtos que ficam muitas vezes entre a demagogia e o populismo.
Desta vez vem de Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora de Ciência Política da USP, o reparo mais pertinente. Ela diz que o Projeto Fome Zero - uma proposta de política de segurança alimentar para o Brasil, documento produzido por uma equipe de 45 pesquisadores do Instituto Cidadania e que foi acolhido pelo governo e transformado em seu programa oficial - “é um amontoado de boas intenções e equívocos”.
O primeiro e mais grave equívoco é a dimensão e amplitude do programa. Sua abrangência quer alcançar o espantoso número de 44 milhões de brasileiros famintos, segundo os dados do delirante ministro José Graziano, responsável pela execução do programa. Pois uma pesquisa coordenada por Carlos Augusto Monteiro, respeitado professor da USP, com base nos dados do Estudo Nacional de Despesa Familiar, do IBGE, indica que os adultos vítimas de fome crônica representariam não mais que 4% da população adulta; já as crianças com sintomas de desnutrição seriam de pouco mais de 10%.
São, sem dúvida, percentuais vergonhosos, mas, de qualquer modo, um universo populacional significativamente menor que os 44 milhões do ministro Graziano. Se os números do IBGE são verdadeiros, e não há razões para descrer deles, a parcela significativa de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, mais do que alimentos, precisa - isso sim - de serviços públicos decentes - saúde, saneamento, escola, esporte, lazer e cultura. E de moradia com um mínimo de qualidade e renda suplementar para suprir eventuais necessidades.
Outro equívoco, este também grave, é a absoluta desconexão entre o Fome Zero e o conjunto de iniciativas efetivadas no governo Fernando Henrique Cardoso, vagamente denominada de rede de proteção social, a maioria delas felizmente em curso, e que consumiram alguma coisa perto de R$ 7, 7 bilhões em 2002 - fora a previdência rural. (Em termos de percentual do PIB, um dos maiores do mundo, diz a ONU).
Se persistir nestes e em outros equívocos, o governo Lula poderá perder uma excelente oportunidade histórica de realizar um programa que consagraria qualquer administração.
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