O tratamento da questão da exaustão dos direitos de propriedade industrial é uma inovação da Lei 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial – LPI), através do seu artigo 132, III. Certamente, essa inclusão se deu em razão da existência da controvérsia que se denomina “importação paralela”.
Vejamos como isso ocorre. Uma determinada empresa americana, por exemplo, exporta produtos com sua marca para o Brasil através de uma empresa brasileira X, mantendo com ela um contrato exclusivo de licença de marca e distribuição. Isso significa dizer que, por determinações contratuais, apenas a empresa X pode distribuir os produtos da marca da empresa americana no Brasil.
Contudo, comercialmente falando, é possível que uma outra empresa brasileira Y decida importar diretamente de uma empresa chinesa, que também é licenciada e distribuidora exclusiva da empresa americana. Assim, importa os mesmos produtos diretamente da empresa chinesa.
Conclusão: os produtos importados são originais, já que a empresa chinesa também é licenciada para o uso da marca. No entanto, seu ingresso no país se deu em desrespeito e prejuízo ao contrato de licença exclusivo firmado com a empresa brasileira X. Como evitar essa situação?
O artigo 132, III da LPI dispõe que o titular da marca não pode impedir a livre circulação de produtos colocados no mercado interno, por si ou por outrem com seu consentimento.
É necessário analisar a questão do consentimento. Vamos imaginar que o contrato firmado pela empresa americana com a empresa chinesa não tem uma limitação territorial de atuação, ou seja, ela não está obrigada a vender somente na China. Isso significa dizer que ela pode exportar os produtos para qualquer local, inclusive para o Brasil.
Dessa forma, é possível afirmar que a colocação desses produtos no Brasil, pela empresa chinesa, se deu com o consentimento da empresa americana, motivo pelo qual, de acordo com o artigo 132, III da LPI, não poderá a empresa americana impedir a importação desses produtos no Brasil, apesar da existência do contrato exclusivo com a empresa brasileira X.
Isso se dá, então, em razão do princípio da exaustão dos direitos de propriedade industrial. Por esse princípio, após a primeira venda do produto no mercado, o direito sobre a marca se esgota, de modo que seu titular não poderá invocar o direito de exclusividade para impedir as vendas subseqüentes.
Para evitar esse problema, as empresas devem firmar contratos exclusivos de licença e distribuição, sempre com limitações territoriais específicas. Caso a empresa americana tivesse firmado com a empresa chinesa um contrato delimitando as vendas apenas ao território chinês, a exportação para o Brasil se daria contra as determinações contratuais e não seria possível afirmar que a entrada desses produtos no Brasil teria se dado com o consentimento da titular da marca.
Nessa situação, seria absolutamente possível à empresa americana obstar a chamada “importação paralela”, já que a colocação desses produtos no mercado se deu sem o seu consentimento.
Nesse sentido já se manifestou a 8ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, concedendo antecipação de tutela para coibir a importação paralela de máquinas, autorizando a apreensão dos produtos (Agravo de Instrumento nº 80.264-4/4, relator Des. Ricardo Brancato – TJSP, vu).
Dessa forma, é possível acreditar que a elaboração dos contratos exclusivos de licença de marca e distribuição é peça fundamental para que, futuramente, a licenciante possa tomar pedidas para obstar as importações paralelas.
* Emília Malgueiro Campos é especialista em Propriedade Intelectual do Viseu, Castro, Cunha e Oricchio Advogados
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