Tomei um susto, na semana passada, ao ler a manchete “Governo promete acabar escravidão”. Teríamos voltado ao século 19? Ou estaríamos saracoteando ao som do Samba do Crioulo Doido, do grande Lalau Ponte Preta (Sérgio Porto)? Mas, não, é isso aí mesmo. A nossa história se dá fazendo voltas, que nem peru. Não caminha para frente, com rumo certo. A notícia não era gozação. Tratava dos novos senhores de escravos, entre os quais nobres deputados altamente prestigiados. E a plebe não pode nem reclamar, porque deputado, senador, ministro, políticos de alto coturno, são como El Rey e a nobreza do tempo colonial. Estão acima do bem e do mal, de qualquer suspeita. Tudo lhes é possível e aos que financiam suas campanhas. Sai de baixo!
No Samba do Crioulo Doido, “Dona Leopoldina virou trem e Dom Pedro é uma estação também. O trem tá atrasado ou já passou”. Na realidade, é pior: o Brasil comprou a sucata das ferrovias estrangeiras, deixou sucatear ainda mais para abrir caminho às empreiteiras dos metrôs, depois privatizou a sucata, à moda do longo reinado da dinastia dos Fernandos. Resultado: o Brasil é o único país gigante sem ferrovias decentes, e os que abiscoitaram as ferrovias estatais continuam ganhando dinheiro, apesar de elas não funcionarem. Com ou sem samba, é loucura. Saudade do Lalau.
Loucura também a guerra. A peste, fame et bello, libera nos, Domine, rezam os cristãos desde a Idade Média, e não tem jeito. É um vício da humanidade. O imperador de Washington (não vou nem dizer o nome, t’esconjuro) e xerife do mundo já deu ordem para lançar sua guerra hipócrita e obscurantista contra o Iraque, sob o pretexto de que esse país possui armas químicas, bacteriológicas, de destruição em massa (a que só os EUA teriam direito). Armas que foram fornecidas a Bagdá nos anos 80, quando o Iraque era aliado dos EUA contra o Irã e, conseqüentemente, Saddam era um ditador amigo ou terrorista do bem, conforme os padrões de Washington.
Mas a guerra não é só de um caubói caricato contra um tirano sanguinário (tirano tanto agora como quando era aliado dos EUA). O caubói foi empurrado para a Casa Branca pela janela (a Suprema Corte vetou recontagem de votos na eleição presidencial de lá, por que?) para realizar um plano Ku Klux Klan, que mistura fundamentalismo cristão com prosperidade das indústrias de guerra (‘santa’) e petróleo. Além do mais, a guera do xerife do mundo é uma tentativa de salvar o dólar e a economia americana. Em 2002, Saddam afrontou, não a “civilização ocidental e cristã”, mas os EUA, ao trocar o dólar pelo euro. Um exemplo para países dependentes, sem autonomia, como o Brasil.
O professor de história Said Barbosa Dib opina que essa guerra é para dar uma sobrevida à falácia do dólar. Dá para entender. Ele diz que o Governo americano está em desespero com sua situação econômica: déficits, falências, gordas falcatruas, envolvimento de figurões do Governo com grupos empresariais. O Federal Reserve (banco central dos EUA, Fed para os íntimos) teme que a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) abandone o padrão dólar, em suas transações internacionais, e adote o euro. O Iraque o fez e saiu-se bem (dentro das limitações que lhe são impostas como castigo por desafiar os EUA), escapando da desvalorização do dólar face à moeda única da União Européia. O ex-todo-poderoso dólar caiu 15% em relação ao euro no ano passado. Só com guerra mesmo...
(*) Juracy Andrade é jornalista
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