O comunicado do Ministério das Relações Exteriores (MRE) brasileiro sobre a escalada militar no Oriente Médio — especialmente após os ataques de Israel e dos Estados Unidos contra instalações nucleares do Irã — revela, mais uma vez, uma postura diplomática que peca por certo anacronismo e excesso de neutralidade formalista, ignorando aspectos essenciais da realidade política do Irã e da geopolítica global.
? O Irã Não É Uma Democracia — E Isso Importa
O Brasil, ao condenar as ações militares, faz menção genérica ao direito internacional, à soberania dos Estados e à defesa da paz. Contudo, a nota do Itamaraty ignora deliberadamente a natureza do regime iraniano, que é uma teocracia autoritária, onde não há liberdade política plena, eleições livres e nem respeito aos direitos humanos mais fundamentais.
O Irã é comandado, na prática, pelo Líder Supremo, aiatolá Ali Khamenei, que detém o poder absoluto sobre todos os poderes — Executivo, Legislativo, Judiciário e Forças Armadas, além de milícias como a Guarda Revolucionária Islâmica. Suas eleições são meramente protocolares, controladas por um Conselho dos Guardiões que veta candidatos não alinhados ao regime teocrático.
Além disso, o regime mantém uma política externa agressiva, financiando grupos extremistas na região — como o Hezbollah no Líbano, os Houthis no Iêmen e milícias xiitas no Iraque e na Síria —, desestabilizando governos, alimentando guerras por procuração e contribuindo diretamente para a perpetuação dos conflitos no Oriente Médio.
⚖️ Direito Internacional Não É Escudo Para Ditaduras
O Itamaraty, ao apelar estritamente para o princípio da soberania e das normas internacionais, ignora que esses princípios não podem servir como escudo absoluto para regimes que violam sistematicamente os direitos de seus próprios cidadãos e fomentam a instabilidade regional.
Defender a paz não pode significar, também, fechar os olhos para o fato de que o Irã:
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Persegue minorias étnicas e religiosas.
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Cerceia a liberdade de expressão, imprensa e manifestação.
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Reprime brutalmente mulheres que lutam por direitos básicos.
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Executa opositores e mantém presos políticos.
Ademais, sua aproximação com Rússia, China, Coreia do Norte e outros regimes autoritários reforça seu alinhamento com um bloco político que se opõe frontalmente aos princípios democráticos e aos direitos humanos universais.
☢️ O Dilema Nuclear — Hipocrisia de Todos os Lados
Por mais legítima que seja a preocupação com a violação da soberania iraniana pelos EUA e Israel, há uma hipocrisia estrutural no debate:
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Israel mantém um programa nuclear clandestino desde os anos 1950, fora de qualquer tratado.
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Os EUA e seus aliados possuem milhares de ogivas e continuam modernizando seus arsenais.
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O Irã, mesmo alegando fins pacíficos, jamais foi transparente com a comunidade internacional, e suas ações sugerem, sim, a busca de capacidades nucleares militares, ainda que negadas oficialmente.
É inegável que um Irã nuclearizado representaria uma ameaça concreta à estabilidade do Oriente Médio, não apenas contra Israel, mas também contra países árabes vizinhos, como Arábia Saudita, Emirados Árabes e Egito, que imediatamente poderiam buscar seus próprios arsenais.
? O Brasil e Sua Postura Ingênua ou Cúmplice?
O Brasil precisa entender que sua defesa genérica do multilateralismo e da paz não pode ser seletiva. A nota do MRE omite completamente os crimes internos do regime iraniano, seu caráter teocrático e antidemocrático, e sua política externa baseada no financiamento do terrorismo e na exportação da revolução islâmica xiita.
Isso não significa apoiar irrestritamente os ataques dos EUA ou de Israel, que também estão longe de serem isentos de críticas, principalmente pelo risco de uma escalada catastrófica e pela violação do direito internacional.
Porém, é preciso reconhecer que a simples defesa da soberania iraniana, sem contextualizar o regime que a exerce, soa como ingênua, contraditória e até cúmplice de uma ditadura teológica que oprime seu povo e ameaça seus vizinhos.
? Conclusão — Um Chamado à Coerência
O Brasil deve, sim, condenar ataques que coloquem em risco civis e a integridade ambiental, especialmente quando envolvem instalações nucleares. Mas não pode continuar fingindo que o Irã é apenas uma “vítima da geopolítica”.
Se quer ser um ator relevante no cenário internacional, o Brasil precisa adotar uma diplomacia que defenda a paz, mas também os direitos humanos, a democracia e a liberdade. Isso significa:
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Condenar tanto os ataques militares arbitrários quanto a opressão interna praticada pelo regime iraniano.
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Defender o desarmamento nuclear universal, inclusive pressionando potências que se colocam acima dos tratados.
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Deixar claro que nenhuma teocracia, ditadura ou regime totalitário pode se escudar no princípio da soberania para violar os direitos mais básicos da humanidade.
A diplomacia brasileira precisa evoluir. O mundo de hoje exige posturas mais firmes, menos protocolares e mais alinhadas com os princípios que verdadeiramente constroem a paz — a liberdade, a dignidade humana e a democracia.
* Vicente Barone é analista político, editor chefe do Grupo @HORA de Comunicação, esteve à frente de diversas campanhas eleitorais como consultor político e de marketing, foi executivo de marketing em empresas nacionais e multinacionais, palestrante nacional e internacional para temas de marketing social, cultural, esportivo e de trasnporte coletivo, além de ministrar aulas como professor na área para 3º e 4º graus - www.barone.adm.br