A afirmação de que o controle do discurso online pode ameaçar o Estado de Direito democrático toca em um dos pontos mais sensíveis do debate público contemporâneo: como lidar com os excessos nas redes sem comprometer a própria base democrática que se pretende proteger.
Edson Fachin votou pela constitucionalidade das regras atuais de responsabilização das plataformas Crédito: Antonio Augusto/STF
O ministro que proferiu essa fala foi o Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ele declarou durante o julgamento, em 25 de junho de 2025, que:
“A adoção de controle de discurso dos usuários não faz parte do estado de direito democrático […] pode gerar censura colateral.”
No cerne da discussão está o paradoxo moderno: ao mesmo tempo em que o discurso de ódio, a desinformação e os ataques coordenados a instituições se alastram com facilidade no ambiente digital, as medidas para combatê-los podem, involuntariamente, atingir cidadãos que não agem de má-fé — o que se convencionou chamar de "censura colateral".
Democracia exige risco — e responsabilidade
O Estado de Direito democrático repousa sobre pilares como a liberdade de expressão, pluralismo de ideias e acesso à informação confiável. Interferências estatais ou empresariais no conteúdo online precisam, portanto, obedecer a critérios objetivos, transparentes e proporcionais.
Medidas genéricas ou autoritárias de controle do conteúdo — ainda que motivadas por boas intenções — podem se transformar em instrumentos de silenciamento político, perseguição ideológica e erosão do debate público livre. Em regimes democráticos, o controle preventivo do que pode ou não ser dito deve ser a exceção absoluta, não a regra.
O desafio dos algoritmos e da concentração de poder
Outro fator preocupante é a opacidade das plataformas digitais. Empresas que controlam redes sociais operam com algoritmos que filtram conteúdos com base em parâmetros muitas vezes ocultos e enviesados. Isso cria um novo tipo de censura: não mais estatal, mas privada — e sem o devido controle democrático.
Ainda mais perigoso é quando governos tentam se valer desse aparato para promover censura indireta, sob o pretexto de combate à desinformação ou segurança nacional, criando leis amplas, de aplicação subjetiva, que permitem perseguições seletivas.
Liberdade x Regulação: é possível um ponto de equilíbrio?
O debate não deve cair em falsos dilemas. Liberdade de expressão não é liberdade de agressão. O Estado tem, sim, o dever de proteger a população contra discursos violentos, ameaças, incitação ao crime ou práticas organizadas de manipulação informacional.
Mas essa proteção precisa ser judicializada, transparente e proporcional. Ou seja, deve haver recurso, contraditório e mecanismos de revisão, seja para decisões de plataformas, seja para medidas governamentais. Sem isso, a sociedade caminha para uma normalização do autoritarismo algorítmico e estatal.
Conclusão
A vigilância sobre o discurso online precisa ser pautada não por controle absoluto, mas por responsabilidade compartilhada: das plataformas, do Estado e da própria sociedade civil. Censura colateral é um risco real e perigoso — e toda política pública nessa área deve ser elaborada com garantias firmes contra abusos.
A democracia não exige silêncio, mas sim maturidade institucional para lidar com o ruído — inclusive o incômodo.
* Vicente Barone é analista político, editor chefe do Grupo @HORA de Comunicação, esteve à frente de diversas campanhas eleitorais como consultor político e de marketing, foi executivo de marketing em empresas nacionais e multinacionais, palestrante nacional e internacional para temas de marketing social, cultural, esportivo e de trasnporte coletivo, além de ministrar aulas como professor na área para 3º e 4º graus - www.barone.adm.br